Portugal é hoje chamado às urnas para escolher o futuro político das autarquias, assembleias municipais e juntas de freguesia do país. No entanto, este domingo vai ser marcado pelo bom tempo, o que costuma significar elevados níveis de abstenção eleitoral.
A abstenção nas eleições autárquicas é um dos fenómenos eleitorais que mais preocupa analistas e partidos. Embora as eleições locais tendam a mobilizar de forma diferente face a legislativas e presidenciais, o padrão geral em Portugal nas últimas décadas tem sido o de abrandamento da participação — com picos e vales conforme o ano, o mapa territorial e o tipo de eleição.
O que mostram os números
A série oficial compilada pela Pordata, com dados da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, é a melhor referência para acompanhar a evolução da abstenção nas autárquicas em Portugal ao longo dos anos. Segundo a base de dados da Pordata, as eleições locais têm registado taxas de abstenção historicamente elevadas em algumas edições — com valores particularmente altos em 2013 e 2017.
Para dar uma ideia cronológica do fenómeno (valores arredondados e obtidos a partir da série oficial da Pordata / SGMAI):
– 2013 (autárquicas) — abstenção elevada, em torno de 47,4% (recorde recente).
– 2017 (autárquicas) — abstenção de ~45,0%.
– 2021 (autárquicas) — projeções e dados oficiais na noite eleitoral apontavam para uma abstenção situada entre 45% e 50%;
Quem se abstém e porquê — explicações sustentadas por investigação
A literatura académica e os estudos portugueses identificam vários fatores recorrentes:
– Desligamento e desidentificação partidária: um aumento dos cidadãos que não se identificam com partidos maiores traduz-se em menor propensão a votar.
– Efeito geracional: as taxas de abstenção tendem a ser mais altas entre os mais jovens e também aumentaram nalgumas faixas etárias intermédias (30–44 anos).
– Fatores socioeconómicos: menor rendimento e níveis de escolaridade associam-se a maior probabilidade de abstenção.
– Fuga e desalinhamento entre eleitor e candidato local: nas autarquias pequenas, a proximidade ao candidato tende a aumentar voto; já nas grandes cidades, onde o eleitor não conhece pessoalmente os candidatos, as dinâmicas nacionais e a desaproximação influenciam a abstenção. Investigadores e comentadores sublinham que a qualidade e notoriedade dos candidatos locais são determinantes para mobilizar eleitores.
Além destes fatores, há condicionantes práticos: dificuldade de deslocação em zonas remotas, horários de trabalho, emigração (muitos recenseados residem fora do território), e problemas de confiança nas instituições ou descrédito político.
Que impactos tem a abstenção nas autárquicas?
A abstenção elevada altera a representatividade dos órgãos locais: resultados obtidos com baixas taxas de participação reduzem a perceção de legitimidade e favorecem ganhos relativos de partidos cuja base está mais mobilizada. Nas autárquicas, onde muitas decisões (planeamento urbano, habitação, transportes, serviços locais) são tangíveis e próximas, a abstenção pode também distorcer prioridades de governação local.
Aabstenção nas eleições autárquicas em Portugal é um fenómeno persistente com raízes sociais, geracionais e institucionais. Os dados oficiais documentam décadas de flutuações, com os picos recentes em 2013 e 2017 e projeções altas em 2021.
Resolver o problema não passa por uma única medida: exige combinação de reformas institucionais (recenseamento, facilitação do voto), modernização tecnológica bem regulada, e um esforço político-cívico para apresentar melhores candidatos locais e reforçar a literacia cívica. Os estudos académicos e os especialistas concordam que algumas medidas (voto antecipado, limpeza dos cadernos, incentivos à mobilização local) são exequíveis no curto-médio prazo; outras (voto obrigatório, voto online generalizado) implicariam debates públicos e cautelas adicionais.













